76 casos foram registrados entre 2008 e 2024
A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) divulgou no mês de maio o “Monitor de assédio judicial contra jornalistas no Brasil”. O relatório consiste na análise de ações judiciais cujo alvo é a atividade jornalística em temas de interesse público, que possuem relevância social e fazem parte do direito à informação.
Os cidadãos, quando se sentem atacados pelo trabalho jornalístico, têm direito a processar judicialmente os profissionais de imprensa, seja por proteção de imagem, direito de resposta ou por danos morais. No entanto, existem situações em que as ferramentas judiciais são utilizadas para intimidar, calar e afetar o profissional psicológica, física e mentalmente. Essa prática é caracterizada como assédio judicial.
De acordo com o relatório, para ser considerado assédio judicial, é necessário que o processo seja feito em contexto de desequilíbrio entre partes, em desfavor do jornalista, com possibilidade de gerar consequências judiciais intimidatórias para a vítima. Também, é preciso que a ação seja infundada ou abusiva, causando exaustão e prejuízo do direito de defesa de quem é processado.
Esses ataques em sua maioria são realizados contra jornalistas que fazem reportagens críticas, porém lícitas, sobre pessoas ou entidades públicas – empresários, políticos, grandes empresas, igrejas, meio ambiente – entre outros. O assédio, além de intimidar o profissional, tem o objetivo de impedir a liberdade de imprensa e ameaçar o livre exercício do jornalismo.
No Brasil, o ano de 2020 foi recorde em assédios judiciais, com 261 casos. Isso se deve aos inúmeros processos realizados pelo empresário Luciano Hang, contra jornalistas que criticavam sua atuação em meio à crise sanitária da pandemia de Covid-19. Em 2023, embora os casos tenham diminuído, o número continua expressivo: 49 registros de assédios judiciais no país.
Santa Catarina registrou 76 casos entre os anos de 2008 e 2024 e é o segundo estado com mais ações de assédio judicial contra jornalistas. Os catarinenses Luciano Hang e Julia Zanatta – deputada e jornalista graduada – estão entre as pessoas que mais moveram processos judiciais contra jornalistas no país.
Caso de assediador: Luciano Hang
O empresário catarinense Luciano Hang, dono da rede de lojas de departamento Havan, foi a pessoa que mais assediou judicialmente jornalistas no Brasil.
Foram registrados 53 processos entre 2018 e 2022 movidos pelo empresário. O tipo de ação praticada por ele é chamada de Litigante Contumaz, que consiste em um mesmo autor atingir vítimas diferentes. Dessa forma, é criada uma sensação de temor, desencorajando outros profissionais a fazerem matérias sobre o tema e/ou pessoa.
As ações judiciais feitas por Luciano somam R$ 13.150.00 em pedidos de danos morais, alegando que os conteúdos afetaram sua honra. Dentre as publicações consideradas ofensivas, estão críticas à sua posição pública acerca da pandemia de covid-19, matérias sobre processos judiciais e tributários respondidos pelo empresário e envolvimento financeiro na campanha eleitoral de 2018.
Caso de assediada: Schirlei Alves
Em novembro de 2023, a jornalista Schirlei Alves foi condenada a uma pena de um ano de prisão e multa de R$400 mil pelo crime de difamação. O caso ocorreu devido a reportagem publicada em 2020 pelo The Intercept. Na matéria, Schirlei fala sobre a influenciadora digital Mariana Ferrer, que foi humilhada durante seu depoimento no julgamento do acusado de estuprá-la em 2018, em Florianópolis. A jornalista mostrou o constrangimento e a revitimização da influenciadora.
O promotor, no julgamento do caso Mariana Ferrer, argumentou que por parte do réu não houve dolo para estuprar, pois não era possível saber se Mariana estava em condições de consentir a relação. A reportagem de Schirlei se referiu a situação como “estupro culposo” e a condenção da jornalista veio justamente desse termo, que segundo a juíza, difamou o promotor.
Os processos que levaram à condenação de Schirlei foram iniciados pelo juiz e pelo promotor que estavam envolvidos no julgamento do caso Mariana Ferrer.
Conclusões do relatório
O relatório aponta, ainda, que no Brasil existe uma grande dificuldade de monitorar o assédio judicial contra jornalistas, devido dispersão das fontes de dados processuais e a falta de critérios na categorização dos processos, sendo o assédio judicial classificado de maneira genérica junto de outras ações que não representam ameaça ao direito de informação.
O monitor identificou que a maior parte dos assédios judiciais são julgados improcedentes, o que reforça o objetivo principal do assediador de constranger e desencorajar o jornalista, e não necessariamente ganhar a causa judicial. Isso resulta em um efeito inibidor, que é o medo de realizar novas reportagens sobre o mesmo tema e/ou pessoa, que podem acarretar em novos processos.
Fonte: Monitor de assédio judicial contra jornalistas no Brasil. Para acessar o relatório na íntegra, clique aqui.